Luís Estrela: "O treinador no contexto asiático é visto quase como um imperador."

Luís Estrela, ex-treinador do Benfica, protagoniza uma das histórias mais improváveis e inspiradoras do futsal internacional. Depois de planear um ano sabático, com intenção de escrever um livro, acabou por aceitar o desafio de orientar a selecção feminina de futsal da Indonésia. A decisão, pouco convencional, rapidamente revelou ser um acerto: em apenas seis meses, transformou uma equipa inexperiente num conjunto competitivo e respeitado na Ásia.
O técnico português, escolhido entre mais de dez candidatos, foi um dos três finalistas e acabou por ser o eleito, muito graças à sua visão e metodologia. "Era uma oportunidade para sair da zona de conforto. Senti que o projecto tinha a minha cara", confessou ao O Jogo. A liderança de Estrela foi recebida com entusiasmo pelas jogadoras e pela federação local, que apostou fortemente na profissionalização do futsal feminino.
Durante o curto e intenso calendário competitivo – o campeonato dura apenas dois meses e meio, entre Maio e Julho – a selecção disputou 11 jogos, com balanço equilibrado: cinco vitórias, três empates e três derrotas, contra adversários como Índia, China, Japão, Tailândia, Bahrein e Hong Kong. A preparação e mentalidade foram cruciais. “As jogadoras não estavam habituadas à exigência táctica, mas mostraram-se receptivas. A nossa ideia de jogo assentava numa mentalidade vencedora: controlar o jogo com bola e pressionar alto”, explicou o treinador.
Um dos aspectos mais notáveis da sua integração foi o respeito pela cultura local. A equipa dispõe de equipamentos adaptados às tradições religiosas, permitindo que algumas jogadoras joguem cobertas da cabeça aos pés, enquanto outras optam por vestuário ocidental. Apenas três atletas alinham com o corpo completamente tapado.
A religiosidade também marca o quotidiano da selecção: “As pessoas rezam por qualquer situação, antes e depois do treino”, afirmou Estrela, visivelmente impressionado com a espiritualidade do grupo. Esta sensibilidade cultural, aliada à competência técnica, granjeou-lhe admiração num contexto onde o treinador é visto como uma figura de autoridade quase imperial. “O treinador no contexto asiático é visto quase como um imperador. Alguém que partilha conhecimento”, reforçou.
O impacto de Estrela vai além das quatro linhas. A sua liderança trouxe organização, ambição e novas rotinas ao futsal feminino indonésio, ainda em desenvolvimento. A convivência exigiu-lhe também flexibilidade linguística – já domina algumas palavras do jogo em indonésio, embora a comunicação se mantenha em inglês.
A missão, inicialmente encarada como uma experiência temporária, poderá agora ter continuidade, dada a sintonia entre treinador, jogadoras e federação. “Fui muito bem recebido. Senti uma ligação muito forte com a cultura e com a equipa”, concluiu.
O caso de Luís Estrela prova que o futsal português continua a ser uma referência internacional, não só pela sua escola técnica, mas também pela capacidade de adaptação a contextos diversos. Uma aventura improvável que pode muito bem abrir portas a outros técnicos nacionais dispostos a cruzar fronteiras e desafiar o previsível.
Zona Técnica Futsal
Referência: Reportagem original publicada no jornal O Jogo, edição de 10 de Julho de 2025