O Futsal Feminino da Académica Encerra com o Silêncio de um Projeto Ignorado
A equipa feminina de futsal da Académica chegou ao fim de um ciclo, sem aviso prévio, sem comunicados, mas com um silêncio ensurdecedor. Após anos de dedicação, conquistas e talento, o projeto que um dia lutou para se afirmar no desporto feminino não vai regressar aos pavilhões nesta temporada. Sem clube, sem futuro claro e com promessas adiadas, as jogadoras enfrentam agora a dura realidade de um desporto que ainda fecha portas às mulheres.
O Fim de um Projeto
O futsal feminino da Académica surgiu há cerca de seis anos, fruto de uma resposta à lacuna existente no desporto, em que as raparigas se viam forçadas a abandonar a prática à medida que cresciam. Inicialmente, com duas equipas – juniores e seniores –, o projeto foi ganhando destaque, conquistando títulos distritais, subidas de divisão e até atletas chamadas para seleções regionais. A equipa sénior, por exemplo, estava prestes a garantir a subida à Primeira Divisão Nacional, uma conquista que não chegou a acontecer.
A Luta pela Sobrevivência
Mas, ao longo do tempo, o apoio institucional foi desaparecendo. Com a saída do treinador fundador, João Filipe, o projeto começou a desmoronar-se. “Assistimos a uma luta de poder pela direção que resultou numa nova liderança que não quis investir no futsal feminino. Nem com os resultados a justificar”, lamenta Filipe Pratas, pai da jogadora Inês Pratas, uma das atletas que mais se destacou na equipa.
De acordo com Filipe, o apoio da direção foi cada vez mais escasso: “Às vezes, não havia água nos treinos, não havia equipamentos. Era tudo à base da boa vontade das atletas e das famílias”. Enquanto o futsal feminino lutava pela sua sobrevivência, os escalões masculinos viam-se reforçados com mais equipas e com melhores condições. “As meninas só dão despesa”, foi a resposta dada por alguns responsáveis quando questionados sobre a criação de mais escalões femininos.
Um Futuro Incerto
O encerramento da equipa não foi comunicado formalmente. “Apenas um silêncio ensurdecedor. Perguntei ao presidente e a resposta foi que não havia dinheiro. E ficou por aí. Sem uma reunião, sem uma explicação, simplesmente... acabou”, relata Filipe. Inês, que ainda sonha com uma carreira profissional, não consegue entender como o fim de um projeto que dava frutos foi tão ignorado. “Nenhuma atleta ia sair da Académica se a equipa continuasse. Tínhamos tudo para subir à Primeira Divisão, mas não foi suficiente”, desabafa.
Desigualdade e Invisibilidade
Este caso não é único. Em Portugal, o futebol feminino ainda enfrenta inúmeras barreiras. A falta de visibilidade nas escolas, nos clubes, e na comunicação social é um obstáculo constante. As jovens que desejam seguir carreira no desporto têm de lutar contra uma estrutura que muitas vezes as marginaliza. A desigualdade de tratamento entre as equipas masculinas e femininas é um reflexo da realidade que as atletas enfrentam diariamente. Salários, infraestruturas e apoio médico são apenas algumas das áreas em que o fosso entre os géneros é ainda grande.
Resistência e Persistência
Apesar de tudo, o futsal feminino continua a crescer, mesmo contra todas as adversidades. Cada jogadora que entra em campo representa uma luta coletiva por mais respeito, igualdade e espaço no desporto. No entanto, como lembra Filipe Pratas, “mesmo com títulos, patrocínios e bons resultados, não conseguimos continuar. O que mais precisamos fazer?”
O caso da Académica é um reflexo de uma realidade ainda mais ampla no desporto feminino. Enquanto não houver uma aposta verdadeira na igualdade de condições para as mulheres, continuaremos a perder talentos, oportunidades e, acima de tudo, justiça desportiva e igualdade.
O que fica é o silêncio de um projeto interrompido e a esperança de que, no futuro, as mulheres não precisem lutar tanto para serem ouvidas no desporto.
Fonte: Ana Rajado in sinalaberto